Como crer que há "progresso" no Oriente Médio?
Se ser repórter for, como suspeito, reportar a loucura humana, então esse final de 2008 será a prova. Comecemos pelo homem que nada mudará no Oriente Médio, Barack Obama, o qual, semana passada, infinitamente previsivelmente, foi escolhido pela revista Time "o homem do ano". Enterrada numa entrevista longa e imensamente tediosa, nas páginas internas da revista, está a única frase que Obama dedicou ao conflito árabe-israelense: "Acho que podemos obter algum progresso, nas conversações pelo menos, acerca do conflito Israel-Palestina, que será prioridade."
Mas... o homem fala do quê? "Obter algum progresso?" Que progresso? Às vésperas de outra guerra civil entre o Hamás e a Autoridade Palestina, com Benjamin Netanyahu candidato a primeiro-ministro de Israel, com aquele muro horrendo, com as colônias israelenses que roubam cada dia mais terra dos palestinos e com os palestinos disparando foguetes contra Sderot... e Obama ainda acha que há "progressos" a obter?
Desconfio que essa língua sem lógica brota dos abismos mentais da futura secretária de Estado. A parte que diz "Nas conversações pelo menos" é típica de Hillary Clinton, no sentido de que não consigo entender o que signifique essa frase. O significado de obter progresso "acerca do conflito Israel-Palestina" é, para mim, mistério ainda mais impenetrável.
Claro que, se Obama falasse de pôr fim à construção de colônias de judeus em território árabe – a única que se "construiu" em torno dos conflitos com o Hamás e a ANP — ou se tivesse se referido à justiça e à segurança que necessitam os dois lados, pode ser que haja algum tipo de mudança.
Teste interessante para aferir o quanto se pode esperar de Obama, em matéria de mudança, acontecerá logo, apenas três meses depois da posse, quando terá de cumprir uma promessinha que fez. Isso mesmo. Dia 24 de abril é dia de solenidades que lembram o genocídio dos armênios, quando 1,5 milhão de cidadãos do império otomano foram trucidados pelos turcos, quando rememoravam outros assassinatos, em 1915, quando os primeiros professores, artistas e outros, todos armênios, foram presos para serem executados pelas autoridades otomanas.
Bill Clinton prometeu aos armênios que passaria a dizer "genocídio" ao referir-se ao genocídio, se os armênios votassem nele. George Bush, também. Obama, também. Os dois primeiros não cumpriram a promessa e continuaram a chamar o genocídio de "tragédia" (embora não tenham devolvido os votos que receberam), por medo da reação dos generais turcos.
Isso, para não falar, no caso de Bush, sobre as rotas de suprimentos para os exércitos dos EUA, que cruzam a Turquia, "as rotas e coisa e tal", como Robert Gates referiu-se a elas, numas das mais espantosas ironias da história, porque pelas mesmas "rotas e coisa e tal" andaram os armênios, em 1915, a caminho de serem mortos. Mr. Gates lá estará, para lembrar Obama. Portanto, aposto o gato da família que Obama dirá que o genocídio foi apenas "uma tragédia".
Por acaso, passando os olhos pela revista de bordo da Turkish Airlines, quando voava para Istambul no início de dezembro, encontrei um artigo sobre a histórica região de Harput, na Turquia. "O jardim natural da Ásia", "estação popular de veraneio", "onde igrejas dedicadas à Virgem Maria erguem-se ao lado das tumbas dos antepassados de Mehmet, o Conquistador".
Esquisito, não é, tantas igrejas? É preciso dar um tranco no cérebro, para lembrar que Harput foi o centro do genocídio dos cristãos armênios, a cidade de onde Leslie Davis, bravo cônsul norte-americano, enviou telegramas devastadores, de testemunha que viu, com os próprios olhos, os milhares de cadáveres de homens e mulheres armênios trucidados. Suspeito que essas lembranças detonariam o efeito "jardim natural". Seria mais ou menos como tentar atrair turistas para a cidade de Oswiecim, na Polônia, Auschwitz, para os alemães.
Hoje em dia, qualquer um pode reescrever os fatos. Veja Nicolas Sarkozy, o mais fofinho dos presidentes da França de todos os tempos, o qual, não satisfeito com bajular Bashar al-Assad da Síria, também ensaboa o doentio, o horrendo Abdelaziz Bouteflika, que acaba de "modificar" a constituição da Argélia para outorgar-se o terceiro mandato.
Não houve debate parlamentar, só foi necessário que levantassem as mãos 500 dos 529 parlamentares. E o que respondeu o Sarkô? "Melhor Bouteflika, que os taliban!" Ora essa! E eu que pensava que os taliban operassem um pouco mais para leste, no Afeganistão, logo ali, onde os rapazes de Sarkô arriscam a vida lutando contra... os taliban. Vivendo e aprendendo. E justamente quando ex-oficiais do exército argelino, hoje exilados, revelaram que soldados camuflados e argelinos islâmicos (os "taliban" de Sarkô) participaram dos brutais massacres das vilas, nos anos 90.
E por falar em "camuflagem", levei um susto, ao ler sobre o treinamento dos policiais ingleses que assassinaram Jean Charles de Menezes no metrô. Como declarou o ex-comandante da Polícia inglesa, Brian Paddick, os policiais são treinados para aqueles procedimentos (secretos), para "lidar" com homens-bomba; aprendem com "especialistas israelenses". O quê?! Quem são os tais "especialistas", que ensinam policiais ingleses a atirar em civis, pelas ruas de Londres? São os mesmos que assassinam combatentes palestinos na Cisjordânia e em Gaza e, praticamente no mesmo tiro, também matam palestinos civis e desarmados? A mesma gente que escandalosamente chama de "assassinatos programados" (ing. targeted killings), o assassinato de adversários políticos? São assessores também de Lady Cressida Dick [comandante da operação policial que resultou no assassinato de Jean Charles de Menezes, no metrô, em Londres] e seus rapazes?!
Mas nada que nosso garboso enviado da paz, Lord Blair, considere relevante ou digno de nota. É o tal, lembrem-se, cuja primeira e única visita a Gaza foi sumariamente cancelada, depois que outros "especialistas israelenses" informaram a ele que haveria algum risco de vida. Pois mesmo assim, talvez venha a ser presidente da Europa, presentinho que Sarkô quer dar a ele. Por isso, suponho eu, Blair escreveu as bajulações que escreveu em artigo publicado na mesma revista Time, a de Obama person of the year. "Há momentos em que Nicolas Sarkozy parece uma força da natureza", ele chafurda em servilismo. E são íntimos, tratam-se pelo primeiro nome. "Nicolas carrega a marca do verdadeiro líder"; "Nicolas adotou..."; "Nicolas reconhece.."; "Nicolas está conseguindo...". Ao todo, 15 "Nicolas". É o preço da presidência da Europa? Ou Blair, agora, meter-se-á também nas tais "conversações" com Obama, para alcançar "algum progresso" no Oriente Médio?
Escrito pelo jornalista britânico Robert Fisk.
Fonte: The Indepedent
Clique aqui para ler nota em solidariedade ao povo palestino lançada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
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