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-Entrevista com Lúcia Stumpf  

Quarta mulher a ser eleita para o cargo de presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), em 70 anos de história da instituição, a gaúcha Lúcia Stumpf se prepara para dois anos de mandato pregando a ocupação de reitorias e uma nova regulamentação para o ensino superior no Brasil.

''A UNE é uma entidade plural''

Quando assumir a presidência da União Nacional dos Estudantes (UNE), no próximo dia 11 de agosto, a estudante de Jornalismo Lúcia Stumpf estará mais do que entrando para a história do movimento estudantil no Brasil. Vai ajudar a escrever uma parte importante da participação política da mulher, a partir da entidade. Eleita no dia 7 de julho último, Lúcia será a quarta dirigente feminina em 70 anos de UNE, e a primeira depois de 15 anos de hegemonia masculina.

Filiada ao PCdoB e à União da Juventude Socialista (UJS) - espécie de braço estudantil da sigla comunista -, Lúcia Stumpf chega ao posto já ocupado pelo correligionário Aldo Rebelo, ex-presidente da Câmara dos Deputados; e pelo hoje tucano de primeira linha José Serra, atual governador de São Paulo.

A presidente diz que, apesar da presença do PCdoB na base aliada do governo Lula, o movimento estudantil atua de forma independente em relação ao Palácio do Planalto. Quando o assunto é mensalão e Renan Calheiros, Lúcia afirma que a UNE não vai se deixar pautar pela grande mídia.

Lúcia Stumpf fez um balanço da atuação da UNE e aponta quais as bandeiras que estão na ordem do dia dos estudantes. Entre elas, a cobrança por políticas públicas de assistência estudantil e a defesa de ocupações de reitorias, tanto de universidades públicas quanto de instituições privadas. No próximo dia 11 de agosto, a UNE faz 70 anos.

Qual o balanço que a senhora faz da história da entidade?

É um balanço muito positivo. Em 70 anos, a UNE não saiu das ruas e da luta em defesa de um Brasil mais justo, com menos desigualdade e com Educação de qualidade para todos. Nesse tempo, os estudantes protagonizaram os principais momentos e embates, sempre no sentido de defender os interesses do Brasil. Não tem como não fazer uma avaliação positiva. A gente começou lá atrás, na luta contra o Nazi-fascismo, fazendo o Brasil tomar uma posição contra o eixo. Depois, mais na frente, na campanha ''O Petróleo é nosso''. A luta a favor do nacionalismo é uma das principais marcas da UNE. A campanha que a gente lançou acabou criando a Petrobras, hoje um dos principais patrimônios estatais do Brasil. Na luta contra a Ditadura, a UNE foi também um importante personagem da resistência do povo; e também foi decisiva para o projeto de abertura, na década de 80. Na década de 90, com o Fora Collor, conseguiu-se derrubar um presidente corrupto. Nossa gestão, se inspirando no passado, vai ter muita coisa a fazer, nesses próximos dois anos.

Nesse histórico, há um componente político muito forte, em função dos momentos. Mas, atualmente, a UNE está mais voltada para questões como qualidade na Educação e assistência estudantil. A entidade está perdendo a alma política?

A UNE sempre teve esses dois grandes eixos. Sempre foi a luta em defesa do Brasil e em defesa da educação. A UNE nunca defendeu o movimento estudantil e a pauta educacional descolada da situação do Brasil. Já tivemos contextos da corrupção na política, na década de 90, e contextos de Segunda Guerra, nos anos 40. Mas a UNE sempre debateu o tipo de universidade de que o Brasil está precisando. Hoje, mais uma vez, a gente se coloca nesse contexto. A gente olha para o governo que está colocado no Brasil, olha para o modelo de desenvolvimento que está implementado e a gente se questiona sobre o tipo de universidade de que o Brasil precisa. Nossa geração está colocada diante dos grandes problemas ambientais, do acesso ao primeiro emprego, jovens com diploma em mãos que não têm emprego. Para nós, é impossível descolar a realidade dos estudantes, em sala de aula, do debate político.

É uma plataforma tipicamente classe média. A discussão sobre a tomada de poder, com prisões, clandestinidade e guerrilha, ficaram para trás?

Não. A UNE se coloca de diferentes maneiras diante de diferentes desafios que o contexto nos impõe. A UNE é uma entidade que representa os estudantes universitários no País. Não se pode negar a defesa dos interesses deles, que por nós estão legalmente representados. A UNE tem que lutar pelo direito dos estudantes que já estão na universidade pública. São por esses estudantes que a gente exige mais investimentos na universidade pública e assistência estudantil. No setor privado, a gente exige a regulamentação e o combate ao abuso dos reitores. É fato que a UNE nunca teve entre suas bandeiras a construção de uma revolução bolchevique ou de qualquer outra no País. Nunca foi consenso entre a maioria dos estudantes universitários. Os congressos nunca garantiram à UNE essa posição mais radicalizada, diante do cenário nacional. A gente se coloca hoje como questionadora do governo, a gente exige que esse governo tome atitudes mais ousadas na defesa da educação. Vamos criticar sempre que acharmos necessário. A gente tem feito duras críticas a Henrique Meireles, por exemplo, e exige sua imediata demissão, por causa da política econômica.

O PCdoB, que tem o controle político da UNE, também está na sustentação do governo Lula. Isso tira a autonomia e a legitimidade da entidade? Muitas vezes, o discurso fica periférico, e não vai no cerne de algumas questões.

A UNE é uma entidade plural. Talvez a mais democrática de todo o movimento social brasileiro. A gente abarca diretores da UNE filiados ao PCdoB, que é o meu caso. Mas temos diretores ligados à oposição, PSDB, DEM e Psol...

Pelo resultado das últimas eleições, o PCdoB detém uma hegemonia na direção da UNE.

No meu entendimento, isso reflete uma política que esse partido tem com a juventude brasileira. O PCdoB tem uma diferenciação, com a maior base de jovens organizados. Isso é muito por causa da forma de diálogo que o partido implementa e o respeito com a juventude brasileira. O PCdoB não tem nenhum tipo de ingerência na UNE. O fato de o PCdoB ser da base do governo não influencia nas decisões que a UNE toma. O PCdoB ou outro partido jamais tentou centralizar ou diminuir a autonomia que a UNE tem diante do governo federal. Se não fosse assim, o partido, que tem uma pequena base de voto, não conseguiria ter essa representação e a quantidade de votos em todos os congressos. O PCdoB, enquanto partido, nunca tentou interferir nos destinos da UNE.

No movimento estudantil, existe muito forte a figura da profissionalização. Um aluno passa até dez anos num curso que dura apenas quatro. Às vezes nem se forma. Como líder estudantil, a senhora se sente incomodada com isso?

Eu não enxergo de forma alguma a profissionalização dos quadros do movimento. O dirigente do movimento estudantil tem uma abnegação. Ele abre mão da sua própria vida individual, da sua formação, em nome de conquistas comuns. Não existem exemplos melhores para a juventude brasileira do que os grandes líderes estudantis. Mesmo aqueles que não conseguiram concluir a faculdade em quatro, cinco anos. Eu não tenho dúvida de que mesmo os que são de universidades públicas, conseguem organizar manifestações de passeatas, com mais verbas, com mais conquistas no campo da ciência e da extensão, pagam dez vezes a formação ou a vaga que eles estão ocupando. São grandes exemplos a serem seguidos, principalmente pela abnegação individual em função de causa coletivas e da construção de um Brasil mais justo em detrimento de sua vida individual.

A senhora entrou no curso de Jornalismo em 1999. Já se vão oito anos...

Estou no 7º semestre de Jornalismo da FMU, uma faculdade particular aqui de São Paulo. Comecei na PUC de São Paulo e me transferi para cá quando vim para UNE. Se não tivesse trancado o curso nenhuma vez, eu já poderia ter concluído em 2005. Ainda estou cursando porque quando transferi ainda passei um ano trancada. E ainda voltei trás. Na transferência de uma faculdade para outra, principalmente as particulares, muitas cadeiras têm que ser pagas de novo, até pelo interesse do lucro dos donos. Eu já estava no 6º semestre, mas tive de voltar para o 4º.

O seu mandato à frente da UNE é de dois anos e falta apenas um para a sua formação. É possível, então, uma renúncia, caso você conclua o curso antes do final da gestão?

Eu vou tentar concluir o curso, mas sendo presidente da UNE não tenho muita chance de fazer os dois últimos semestres regulares que faltam. Não tranquei a matrícula, vou a todas as aulas possíveis, conto com o apoio de colegas e professores, mas não acho muito difícil eu concluir na integralidade os dois semestres.

O Brasil tem em torno de 56% de matrículas femininas nas universidades, mas em 70 anos, a UNE agora que vai para a quarta mulher presidente. Como está a discussão interna da presença da mulher na política?

O fato de só ter quatro mulheres em sete décadas da entidade só mostra que a UNE ainda tem muito no que avançar. Só tivemos até agora a Clara Araújo e a Gisela Mendonça, na década de 80, a Patrícia De Angelis, nos anos 90. Eu sou a quarta.

Como filiada ao PCdoB, partido da base do governo, como a senhora vê a ocupação dos espaços administrativos por aliados? Isso enviesa a análise crítica?

De forma alguma. Eu considero muito justo que líderes do movimento social sejam alçados às instâncias do poder político institucional, seja executivo ou legislativo. Se tem alguém com legitimidade para propor rumos para o Brasil, em defesa do povo e do País, são os líderes alçados pelo movimento social. Não há nada mais justo para acontecer.

Isso não é carreirismo?

Carreirismo existe em deputado, que se elege, às vezes, em dez mandatos consecutivos. Não é carreirismo um ex-líder sindical virar vereador, ou um ex-líder do movimento estudantil virar deputado federal. Não enxergo nenhum tipo de carreirismo nisso não. São funções diferenciadas que as pessoas cumprem ao longo da sua vida política. As pessoas que cumprem essa trajetória dedicam sua vida à atuação política e, de um momento para outro, alteram as suas atividades. Em uns momentos, é de reivindicar, noutros de legislar e, às vezes, de executar políticas.

Sobre as ocupações de reitorias, há uma dificuldade na opinião pública de absorver esse instrumento de reivindicação. Como está essa discussão?

Só não aprova isso que você coloca, a opinião dos grandes veículos de comunicação, que são de fato dirigidos por uma elite nacional. Eles discordam da regulamentação da universidade, querem ver o ensino privatizado, querem o fim do investimento estatal nos serviços básicos necessários para a sociedade. A UNE nunca se moveu em torno da opinião dos grandes veículos de comunicação. Isso nunca motivou as nossas lutas. A gente acredita que qualquer tipo de manifestação, por qualquer tipo de estudante, é sempre legítima, se estiver em jogo as melhorias necessárias para a Educação e causas comuns para o estudante brasileiro. Qualquer tipo de manifestação, seja passeatas nas ruas, seja ocupação de reitorias de universidades privadas ou outros instrumentos que os estudantes acharem necessários naquele momento para responder a determinada situação colocada pelo governo ou sociedade, nós vamos estar utilizando esses instrumentos. Inclusive, nós estamos convocando agora, para agosto, a utilização do instrumento de ocupação de reitoria. Não só de universidades públicas, mas de universidades privadas.

Qual a relação mais difícil, com as reitorias das universidades públicas ou das privadas?

É na universidade privada onde estão os grandes inimigos da Educação. Os reitores das universidades privadas representam os tubarões do ensino. Oferecem um ensino sem qualidade para os estudantes e, na maioria das vezes, promovem desrespeito com o aumento abusivo das mensalidades e constrangimento a estudantes, impedidos de fazer provas ou de assistirem aula porque atrasaram um mês o pagamento. Além disso, muitos reitores proíbem o movimento estudantil dentro das universidades, muitas vezes trazendo a polícia para dento dos campi para tirar lideranças da UNE e de entidades estaduais que estão organizando o movimento. Contra esses inimigos da Educação a UNE também vai usar o instrumento da ocupação das reitorias.

A senhora fala de regulamentação do ensino superior privado, mas já não existem leis suficientes no setor?

Praticamente não existem leis. As leis que existem são muito poucas. Não existe, por exemplo, uma lei que regule o aumento das mensalidades. Existe um único projeto de lei tramitando na Câmara dos Deputados que diz que as mensalidades só serão aumentadas quando houver um consenso entre professores, estudantes e funcionários. Então vai ter de haver um conselho universitário, que já existe nas universidades públicas, mas muito pouco usual nas universidades privadas. Um conselho onde vai haver representação de todos os segmentos da instituição. Esse conselho é que vai aprovar ou não o aumento de mensalidades. Hoje, os aumentos são propostos, e o estudante não vê em troca o aumento da qualidade. A mensalidade aumentou, mas não há novos laboratórios nas universidades, não tem mais livros na biblioteca, nenhum prédio novo foi construído. Então, para onde foi o aumento? Foi só para gerar mais lucro? A gente sabe que as universidades privadas não podem ser utilizadas como mais um instrumento do mercado. As universidades são concessão do Estado, para que as universidades possam oferecer o direito ao ensino superior. Por ser uma concessão, tem que seguir um conjunto de regras, e a UNE defende que sejam regras rígidas. O reitor vai ter de convencer os estudantes que a mensalidade vai aumentar, porque houve aumento no salário para os professores, por exemplo.

Estamos falando de planilha de custos?

A planilha já existe, mas ela tem que ser feita em cima de argumentos, para que os estudantes possam dizer que concordam ou não com o aumento. Isso deveria ter sido criado a décadas. Hoje, o estudante inadimplente não pode concluir o curso, é impedido de fazer rematrícula no mesmo ano e, muitas vezes, é impedido de concluir o semestre, se ele não pagou o último mês. Para a UNE, tudo isso é um absurdo. Os reitores das universidades vão ter todos os meios para cobrar as dívidas dos estudantes, mas não agindo contra os estudantes. Ele que se utilize de recursos como a questão da proteção ao crédito, mas não proibindo estudante de se matricular no meio do ano ou proibindo estudante de estar concluindo o seu semestre ou sendo proibido de fazer prova. Também a gente quer que sejam criadas leis que permitam a criação de Centros Acadêmicos e DCEs. Quem é ou já foi estudante de universidade privada sabe como é difícil organizar os estudantes. Muitas vezes, as reitorias agem de forma dura contra estudantes que tentam organizar as entidades. Por isso, a gente quer uma lei que obrigue os reitores a permitir a criação desses instrumentos. É esse conjunto de regras que a gente chama de regulamentação do ensino privado. Para nós, é uma deformidade ter-se permitido o funcionamento dessas universidades, sem a criação desse conjunto de regras.

A regulamentação passa também por uma política de qualidade do ensino, tendo em vista a recente onda de cursos superiores privados?

É isso também. Na regulamentação, a gente vai exigir que as instituições privadas tenham um mínimo de professores doutores e mestres, além de questões ligadas à pesquisa. O ensino não é somente em relação ao ensino formal de sala de aula. Passa pela valorização da pesquisa e por programas de extensão com a comunidade. Mais do que isso, a gente precisa assegurar um compromisso sobre a abertura de novos cursos. Hoje, os cursos são abertos mais preocupados com a conquista fácil do lucro. Por isso que existem muitos cursos de Direito. Não precisam de laboratórios nem de grande estrutura. Uma sala de aula e uma biblioteca pequena resolvem. O Brasil não precisa de tantos advogados. Existe mercado para absolver todos eles. No Interior do Ceará, por exemplo, talvez fosse mais importante investir em cursos de Agronomia, por exemplo, com o envolvimento de profissionais ligados ao desenvolvimento de novas técnicas agrícolas. As universidades privadas também têm de ter um compromisso de abrir cursos voltados para o projeto de desenvolvimento do Brasil. Tem de ver qual a necessidade do espaço em que a universidade está inserida.

Já que estamos falando em qualidade do ensino, vale uma autocrítica da UNE às barricadas contra o provão, um instrumento de aferição desse de educação superior?

Em 70 anos de história, a UNE sempre teve uma posição a favor da avaliação universitária. A gente se posicionou contra o provão, naquele momento, e a gente olha para trás e tem muito orgulho das campanhas que fizemos contra. Era método que avaliavam apenas o aluno, e não todo o contexto da universidade. Sem outros instrumentos que permitissem saber se o problema era do professor, da falta de estrutura ou de livros. A universidade é formada pelo tripé ensino, pesquisa e extensão. Por isso a gente travou a luta contra o provão, e pelo mesmo motivo hoje a gente combate o Enade, que é a nova prova. A gente sempre exigiu uma avaliação global, capaz de ajudar o governo e a comunidade a resolver os problemas das instituições. A gente não tem dúvida de que não é através de uma prova aplicada sobre os alunos, obrigada, que se vai conseguir corrigir as falhas do ensino brasileiro. Continuamos exigindo uma avaliação mais completa, baseada nos três conjuntos de fatores.

Como a UNE pretende aplicar os R$ 200 milhões que está reivindicando do governo federal para assistência estudantil?

Chegamos aos R$ 200 milhões através de estudos de uma comissão formada por membros da UNE com as pró-reitorias de extensão e de assuntos estudantis das universidades federais. São recursos para serem usados, exclusivamente, em assistência estudantil. Seria uma liberação extra pelo MEC, para serem administrados, exclusivamente, pelas universidades federais. Seriam rubricados para a construção de residências e restaurantes universitários, transporte e bolsas para estudantes carentes. Essa rubrica existia até 1998, mas foi cortada pelo ministro Paulo Renato, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Desde lá, as universidades que ainda mantém a política de assistência estudantil, o fazem com recursos de outras áreas administrativas. Desde 1998, as universidades mantém a assistência estudantil de maneira quase heróica.

Uma das bandeiras da UNE, a Reforma Universitária, praticamente morreu por inanição, no Congresso Nacional. Como a UNE pretende reanimá-la?

O primeiro passo é continuar com a disposição de pressionar o Congresso, para que o projeto seja desengavetado na Câmara dos Deputados. Ele voltando a tramitar, a UNE vai pressionar pelas emendas que a gente acha que são necessárias para que o projeto tenha esse caráter de defesa do ensino e universidade públicas. A UNE não tem dúvida de que uma reforma universitária é urgente para ser implementada no Brasil.

Exatamente sobre que itens a UNE pretende fazer vigília?

A regulamentação do ensino privado, que tinha na última versão do projeto, a gente quer aprovar em separado da questão da assistência estudantil, para garantir uma permanência na assistência estudantil. Essa discussão pontual vai ser retomada depois que a matéria recomeçar a tramitar.

O discurso da UNE pela ética na política, na década de 90, com o Fora Collor, foi muito forte. Mas a entidade, hoje controlada pelo PCdoB, que está no governo, cria situações inusitadas. Aqui no Ceará, por exemplo, o senador Inácio Arruda, que é do PCdoB, saiu em defesa do presidente Renan Calheiros, que também é aliado do Palácio do Planalto. É uma situação impensável menos de dez anos atrás. Isso não quebra o histórico da UNE, enquanto entidade que diz defender a ética na política? Existe constrangimento na UNE no caso Renan?

Eu não vou responder pelo PCdoB. Só sei que a gente sempre lutou pela ética na política, voltada aos interesses do povo e não voltada aos interesses individuais. Acho que isso é muito marcado na nossa existência, ao cobrarmos uma reforma política efetiva. A UNE não tem dúvida de que esses escândalos que se sucedem na mídia só vão acabar quando houver uma reforma que garanta, pelo menos, um financiamento cem por cento público de campanhas dos candidatos.

Hoje, a maioria dos escândalos acontece porque os candidatos são eleitos com dinheiro do setor privado ou são eleitos para representar determinados setores da sociedade, que investem em sua campanha. Com isso, o compromisso do candidato, quando eleito, deixa de ser um compromisso voltado para o desenvolvimento de um Brasil mais justo. A UNE luta por uma reforma política ampla, geral e irrestrita, e que garanta uma situação mais democrática para o Brasil. Esses escândalos não surgiram nesse governo. É um sistema viciado na política brasileira.
Na década de 90, por muito menos, você via estudante em todas as esquinas, com faixas e bandeiras, pedindo a derrubada do governo... Por que que não teve agora um Fora Renan, ou um Fora Lula, na época do mensalão?

É porque a UNE não é pautada pela imprensa nacional. Não é a opinião dos grandes veículos de comunicação que dirige a UNE. A UNE tem as suas próprias opiniões sobre os escândalos, com muita convicção. Na época do mensalão, a UNE foi uma das primeiras entidades a fazer passeata em Brasília, no dia 16 de agosto, pedindo uma reforma política. A UNE respondeu aos escândalos de corrupção. Hoje, no que diz respeito ao escândalo envolvendo o senador Renan, defendemos a investigação de todas as denúncias. Dele e de qualquer político que se envolver em casos de suspeitas de corrupção.

O Fora Renan seria golpismo, então?

Hoje, estamos exigindo que seja investigado. Qualquer investigação, envolvendo qualquer senador ou deputado federal. Não cabe à UNE fazer o papel de julgadora. Existe a Polícia Federal, as CPIs e a quem couber julgar quem é culpado ou inocente. A gente não vai se antecipar no julgamento de políticos, para responder a anseios de uma mídia afoita.

No Fora Collor foi afoitice?

Imagina. Foi tudo comprovado. A operação Uruguai, o envolvimento de todos os ministros do Collor. A UNE saiu às ruas pelo Fora Collor, quando as denúncias já eram explícitas e conhecidas do público. Tanto que foram consideradas procedentes, e o presidente foi impeachado. As manifestações da UNE serviram para que os deputados não se intimidassem no dever de fazer o que se deveria fazer.

Como a UNE vê o Fora Collor, quinze anos depois?

Depois do Collor, a gente teve um período intenso de implementação do neoliberalismo, com dois governos sucessivos de Fernando Henrique. O movimento estudantil e o movimento social como um todo conseguiu combater e resistir bastante a isso. Agora, a gente chega num momento de possibilidade de avançar nas conquistas, e a UNE está sabendo se posicionar nesse momento importante para o País. Continuamos nas ruas e pressionando o governo e o Congresso Nacional, para que as mudanças aconteçam na universidade e no Brasil. A UNE está mais viva do que nunca, para fazer as transformações que o Brasil precisa.

A propósito do Fora Collor, o ex-líder estudantil do movimento ''cara-pintadas'' Lindberg Farias, acabou, depois de deputado federal pelo PCdoB, elegendo-se prefeito de Nova Iguaçu (RJ), em 2004, pelo PT, mas com o apoio do PSDB e do PFL. É uma sina o estudante ser subversivo na juventude e, aos poucos, ir ficando conservador?

Não. Com certeza não. Cada pessoa tem a sua trajetória individual na política. Isso não pode ser generalizado. Essa colocação não existe.

Perfil

Gaúcha de Porto Alegre, Lúcia Stumpf, 25 anos, é a típica estudante universitária classe média. Filha de médicos, que ainda moram na capital do Rio Grande do Sul, ela tem três irmãos. Em 2001, a estudante de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do Estado assumiu a vice-presidência regional da UNE. Dois anos depois, passou à diretora de comunicação da entidade.

Foi também em 2003 que Lúcia mudou-se para São Paulo, trocando a PUC-RS pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Lúcia foi eleita com mais de 70% dos votos no 50º Congresso da UNE, realizado em Brasília. O evento reuniu cerca de 8 mil estudantes, entre observadores e delegados - estudantes com direito de voto na eleição -, representando 1,8 mil instituições de ensino superior.

Entre os gostos pessoais da presidente da UNE, destaca-se o musical, longe do estilo Geraldo Vandré, marca registrada do estudante ''bicho grilo'', dos anos 60. ''Não perdendo a preocupação pela valorização da cultura popular brasileira, eu me dou o direito de gostar mais de rock´n roll, de som mais pesado do que o normal'', justifica.


Fonte: Jornal O Povo

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