Praia do Flamengo 132, nada será como antes
Em evento com a participação do presidente Lula, governador Sérgio Cabral, arquiteto Oscar Niemeyer, além de diversas autoridades, UNE e UBES comemoram o lançamento da pedra fundamental que reerguerá seu prédio na zona sul do Rio
A funcionária pública Maria Arlinda de Castro, 68 anos, moradora da Praia Flamengo no Rio há mais de 40, ajeitava-se na grade de proteção montada em frente ao número 132, na tarde dessa segunda-feira, 20 de dezembro. Ao seu lado, chegavam centenas de curiosos, vendedores ambulantes, turistas e outras pessoas cuja atenção se prendia no enorme painel de 18 metros de comprimento e 6 de altura, montado em frente ao endereço e onde se impõe uma foto do ex- lider estudantil e presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) Honestino Guimarães, um dos muitos desaparecidos políticos da ditadura militar.
Muita gente não entendia ainda a movimentação e alguns burburinhos davam conta da visita do presidente da republica mais positivamente aprovado desde a redemocratização: “Lula vem aí”, ouvia-se. No entanto, a maioria não sabia o que aconteceria dentro daquele terreno, que por muitos anos abrigou somente um estacionamento. Dona Maria Arlinda sabia. No dia primeiro de abril de 1964, ao voltar do trabalho por volta das 19h, ela percebeu que o trânsito estava interrompido. Descendo a pé e caminhando em direção ao número 132, viu o prédio da UNE e da UBES pegando fogo, destruído pela ditadura militar recém- instalada no país: “Foi muito triste e chocante”, relata.
Depois disso, dona Maria Arlinda testemunhou todo o período de perseguições da ditadura, acompanhou a proclamação do AI-5, viu pessoalmente a sede dos estudantes ser demolido em 1980, acompanhou a redemocratização do país em 1985, votou cinco vezes em Lula para presidente e, nessa tarde, retornou ao endereço numero 132 para vê-lo inaugurar as obras que reconstruirão o prédio da UNE e da UBES. De acordo com o projeto de lei 12.260, de 21 de junho de 2010, aprovada por unanimidade no Congresso Nacional, o Estado Brasileiro reconhece a responsabilidade pelo incêndio e demolição da casa dos estudantes, investindo agora em sua reparação.
Chegadas
Em frente ao terreno e por suas imediações, onde o trânsito estava interrompido e diversos carros de reportagem se amontoavam, balões ornamentavam a entrada e capacetes de construção da UNE e UBES eram distribuídos aos convidados. Entre ele muitos e emocionados ex-presidentes das duas entidades como José Frejat (1950), Aldo Arantes (1961) Jean Marc Von der Weid (1969), Wadson Ribeiro (1999), Gustavo Petta (2003 e 2005), Orlando Silva (1995), Lindberg Farias (1992), Thiago Franco (2006), Marcelo Gavião (2004), além de um dos fundadores da UNE, Irum Santana e da ex-esposa de outro, Francisca Talarico, que foi casada com José Gomes Talarico, falecido no início de dezembro. Francisca foi homenageada no evento e recebeu uma placa.
O clima de confraternização entre as gerações é brevemente interrompido com a chegada do arquiteto Oscar Niemeyer, que completou 103 anos de vida recentemente. Erguem-se as mãos de todos em aplausos ou empunhando câmeras e celulares para registrar uma imagem do homem que desenhou Brasília e que, também, generosamente cunhou o projeto da nova sede da UNE e UBES no local.
A agitação na Praia do Flamengo, 132 já era completa quando chegou o presidente Lula, acompanhado de sete ministros, do governador do estado do Rio Sérgio Cabral, do prefeito da capital Eduardo Paes, de deputados e senadores, além de outras autoridades. Aos poucos, as pessoas foram se ajeitando dentro do terreno, entre elas Dona Maria Arlinda. O escritor Arthur Poerner, talvez o maior conhecedor da história do movimento estudantil brasileiro, lembrou-se de outra visita de Lula ao local em 2008 e cochichou uma importante observação “É a primeira vez na história do Brasil que um presidente visita, duas vezes, a sede da UNE”.
Dia histórico
Se ainda havia alguém no local ainda não contaminado pela palpitação de um dia histórico, foi obrigado a render-se com a exibição de um vídeo contando a história do movimento estudantil e da sede na Praia do Flamengo. O telão homenageou jovens como Helenira Rezende e Honestino Guimarães, enquanto o público gritava “presente” a cada nova foto mostrada. Ao final da exibição, e ainda antes do presidente da UNE Augusto Chagas dizer as primeiras palavras, o coro da platéia já tomava conta de todo espaço: “A nossa história ninguém apaga, UNE e UBES de volta para casa”.
Augusto comemorou a presença de tantos personagens históricos do movimento estudantil no evento: “Essa platéia é a cara da UNE, com toda amplitude de idéias e pessoas que fazem a nossa luta por todos esses anos”. O presidente da UNE ressaltou, sob aplausos, que o projeto de lei que permitiu a indenização para reconstrução da sede não foi questionado por nenhum parlamentar de nenhum partido político. Dirigindo-se a Lula, afirmou: “Alguns não entendem a nossa relação presidente, confundem com subserviência, mas nós sabemos muito bem que essa reparação não representa favor ou agrado de ninguém, isso é justiça e nós reconhecemos a sua grandeza por ser sensível a isso”.
O presidente da UBES, Yann Evancovick fez questão de homenagear aqueles que tombaram e perderam suas vidas na esperança de retornar à Praia do Flamengo 132: “Quando este prédio se reerguer, se erguerão juntos os sonhos daqueles que por aqui passaram, que lutaram por esse momento que agora vivemos”. Lembrou também que a reconstrução da sede irá revigorar as lutas do movimento estudantil no próximo período. “Quero inclusive te convidar, presidente Lula, para a nossa jornada de manifestações no mês de março, por bandeira como 10%
do PIB e 50% do Fundo Social do Pré-Sal para a educação brasileira”.
Lula e os estudantes
Antes de tomar a palavra, Lula vestiu o capacete da UNE e inaugurou a pedra fundamental do novo prédio e conheceu a nova maquete do projeto. Assim que começou a falar, fez questão de render efusivos elogios a Oscar Niemeyer, aplaudido de pé por todos os presentes: “Niemeyer é motivo de orgulho para todos nós e uma lição àqueles, muito mais novos, que às vezes se mostram indispostos ou cansados para ir a uma passeata, uma assembléia ou outra atividade importante”, disse o presidente.
Muito à vontade, Lula também ressaltou que a relação de seu governo com os estudantes não envolveu complacência de nenhum dos lados: “O que fizemos foi um pacto para criar uma pequena revolução na educação desse país”, afirmou, referindo-se depois a programas como o Prouni e o Reuni, amplamente discutidos com o movimento estudantil e que permitiram a entrada de milhões de jovens nas universidades brasileiras. “Nenhuma decisão do nosso governo foi tomada sem consultar vocês”.
O presidente também deixou sua homenageou os jovens que perderam suas vidas durante o período da ditadura militar: “Precisamos aprender, na verdade, que quando um companheiro tomba, ele precisa nos inspirar a continuar lutando, ser a marca da nossa luta ate conseguirmos. O que vocês estão conquistando hoje é muito mais do que um espaço para uma sede, o que se ganha aqui hoje é um espaço para consolidar a democracia no Brasil”.
Em tom de despedida, o presidente finalizou: “Aproveitando que este é meu ultimo pronunciamento para os estudantes brasileiros, queria dizer que foi uma grande honra estar ao lado de vocês. Vou carregar uma lembrança extraordinária disso tudo até o ultimo dia da minha vida”.
Nada será como antes
Encerrada a atividade, depois que o presidente desceu do palco e conseguiu vencer, carinhosa e pacientemente, a avalanche de abraços, beijos e outros afetos do público, a Praia do Flamengo podia, enfim, começar a voltar à normalidade. A empresa de trânsito liberava as pistas, as equipes de reportagem retornavam as redações para produzir as matérias, as autoridades deixavam o local nos carros oficiais. Alguns ex-presidentes da UNE, amigos e apoiadores estenderam a comemoração no Boteco da Praia, que fica logo ao lado do terreno, até a meia noite.
No entanto, quando a noite realmente caiu, o que sobrou de tudo foi apenas o gigantesco painel de Honestino Guimarães em frente ao número 132. Muitos que passam pelo local agora devem estar se perguntando o que representa aquela bela foto de um jovem, de punhos erguidos, indiscutivelmente convicto, com um semblante forte e positivo.
A resposta está lá dentro do terreno, grafada no texto da pedra fundamental que foi inaugurada:
“O poder imaculado dos jovens
o traço de Oscar Niemeyer
e a rebeldia desta pedra
dizem que a casa dos sonhos invencíveis
nunca será derrubada
Em memória a todos que fazem parte desta história
Rio de Janeiro, 20 de dezembro de 2010”
A casa dos sonhos inesquecíveis
Quarenta e seis anos depois, hoje é o dia em que marcamos a pedra fundamental das obras para reerguer essas paredes e reabrir as portas e janelas da chamada “casa do poder jovem”.
Mais um capítulo se encerra para que outro se inicie, mais uma demonstração da vitalidade da juventude brasileira. Aqui, neste histórico pedaço de chão no Rio de Janeiro, começa a reforma da “casa da resistência democrática”.
A aprovação por unanimidade no Congresso Nacional do projeto de lei 22.260/ 2010 reconheceu corajosamente a dívida do estado brasileiro com seus estudantes durante um regime de exceção que ousou vencer a primavera, ceifando-lhe as flores.
No entanto, os sonhos daqui nunca saíram. Foram invencíveis. Não há como deter a alvorada, por mais escura que seja a noite. Em breve, os traços de Oscar Niemeyer darão vida a uma conquista de gerações.
Agradecemos a vocação democrática do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, personagem fundamental em todo esse processo sempre acreditando na volta definitiva da UNE e da UBES para o seu lar, na Praia do Flamengo, 132.
Mãos a obra!
Da Redação
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